De Margiela a Diesel, passando por Y/Project, o designer belga Glenn Martens comprovou sua capacidade de deslocar códigos e propor novas linguagens. Em parceria com a H&M, ele leva essa inquietação a um novo terreno, o do acesso. A coleção nasce do encontro entre experimentação têxtil, humor controlado e a reinvenção de básicos universais, traduzidos para um guarda-roupa que convida a brincar com volume, superfície e função.
No showroom parisiense da marca, Martens e Ann-Sofie Johansson, diretora de criação da H&M, detalharam a gênese do projeto e seus objetivos. O ponto de partida foi simples e estratégico, revisitar best-sellers da H&M como t-shirts, camisas xadrez, bombers, jeans, moletom e trench coat, e permitir que o estilista os “glennificasse”. O resultado chega às lojas e ao hm.com em 30 de outubro de 2025, com uma proposta abertamente democrática.

Uma colaboração audaciosa e acessível
Em 4 de outubro, Martens agitou o espaço Centquatre, em Paris, pouco depois de revelar sua primeira coleção de alta-costura para Margiela. O designer levou a mesma ousadia ao prêt-à-porter, reprocessando signos da história da maison com novas arquiteturas de forma e gesto. A poucos dias desse momento, ele também provocou em Milão, com uma caça aos ovos gigantes para o desfile Diesel primavera-verão 2026, label que dirige desde 2020.
É nessa veia impertinente e democrática que a colaboração com a H&M se estrutura. O exercício consiste em desformatar o cotidiano com estilo, reescrevendo gêneros básicos do guarda-roupa de forma lúdica e instintiva. A intenção é ampliar o acesso sem diluir o pensamento de design, mantendo o espírito técnico e a atitude que marcam o trabalho de Martens.

Coleção híbrida, transformável e com senso de humor
As peças brincam com trompe-l’œil, proporções XXL em bolsas e botas, fios metálicos e matérias com efeito foil. Esses recursos transformam clássicos em objetos móveis, que podem ser esculpidos, ajustados e reinventados conforme o humor do usuário. A coleção é híbrida e deliberadamente transformável, estimulando novas formas de vestir sem perder conforto e clareza de uso.
O humor aparece como fio condutor no material de campanha, que reúne Joanna Lumley e Richard E. Grant em um retrato de família improvável, colorido e repleto de detalhes inusitados. O clima é de sátira elegante e afeto, uma assinatura recorrente na obra do designer. A distribuição será em edição limitada, em pop-ups selecionados e no hm.com, a partir de 30 de outubro.

Diálogo criativo e ponto de partida
Segundo Ann-Sofie Johansson, a H&M buscava energia e visão de Glenn, com uma abordagem espontânea e pessoal. A equipe apresentou uma lista de itens icônicos e propôs a sua reinterpretação. A curiosidade foi mútua, e o projeto evoluiu como uma conversa franca entre métodos industriais e construção autoral.
Para Martens, a proposta funcionou como um exercício criativo. Reimaginar básicos universais implicou repensar construção, atitude e modularidade. O designer ressalta o caráter democrático da parceria, que permite que estudantes e entusiastas de moda tenham contato com ideias que, muitas vezes, ficam restritas. A colaboração preserva a sofisticação técnica ao mesmo tempo em que permanece financeiramente acessível.

H&M x Glenn Martens: Processo, aprendizados e bastidores
Johansson destaca a dedicação total de Glenn, do mergulho no arquivo à defesa de soluções técnicas específicas. A equipe trocou conhecimento sobre processos de foil e construções de malharia, refinando pontos de fabricação para preservar as intenções de modelagem e superfície. O objetivo foi garantir coerência entre conceito e vida real, da passarela ao guarda-roupa.
O projeto foi desenvolvido sob embargo por quase um ano, o que exigiu discrição e rigor. Martens afirma que a colaboração reforçou um princípio, uma ideia só vale quando encontra lugar na vida das pessoas. Ele elogia a serenidade operacional da H&M, rara em projetos dessa escala, e vincula o resultado a um pragmatismo criativo que respeita tempo, custo e usabilidade.
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Propósito além do buzz
Martens observa que muitas colaborações viram apenas ruído de marketing, criam buzz e desaparecem. Aqui, a intenção foi distinta, ancorada em reflexões sobre durabilidade, qualidade e design. O desenho privilegia peças com longevidade estética e material, evitando a lógica do descarte e favorecendo o uso reiterado.
A nomeação do designer para Maison Margiela não influenciou a colaboração, que já estava concebida e validada antes. O próprio histórico de parcerias da H&M mostra circulação prolongada no second-hand, o que sinaliza interesse contínuo por peças com narrativa forte. A coleção H&M x Glenn Martens pretende habitar essa mesma zona, onde conceito, preço e desejo se alinham de forma sustentável.
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