Em sua primeira entrevista exclusiva antes da estreia como diretor artístico da Gucci, Demna deixou claro que encara expectativas externas como “efeitos colaterais”. Consciente do escrutínio em torno de seus primeiros looks para a maison italiana, o criador explicou que esta fase inicial são “passos de bebê”: a ideia é redefinir a compreensão do que é Gucci por meio de sua própria releitura, estabelecendo a plataforma sobre a qual construirá sua visão.
No escritório ensolarado da sede milanesa, vestido de preto e com um pingente do brasão da Gucci, Demna falou de referências e de humildade autoral. Sem tomar todo o crédito, citou Tom Ford como inspiração, ao lado de Martin Margiela e Lee McQueen, e apresentou uma coleção spring 2026 que sinaliza progressão positiva e calibrada para o mercado.
“La Famiglia”: personagens que encarnam a nova linguagem
Para comunicar a “Gucciness” de Gucci, Demna criou uma constelação de personagens chamada La Famiglia, cada qual com personalidade e atitude próprias. Em parceria com a recém-empossada presidente e CEO Francesca Bellettini, a marca lança um lookbook fotografado por Catherine Opie, seguido do curta “The Tiger”, dirigido por Spike Jonze e Halina Reijn, exibido em Milão.
Os detalhes do elenco seguem em sigilo, mas Demi Moore é uma das intérpretes de um dos arquétipos. Para Demna, contar a história primeiro em filme faz sentido: sua primeira apresentação ao vivo virá apenas em fevereiro, e o cinema ajuda a amarrar as identidades que, juntas, constroem o seu capítulo Gucci.
Arquivo, símbolos e italianidade: do baú à “L’Incazzata”
O lookbook abre com L’Archetipo, um baú monogramado que homenageia Guccio Gucci e as origens como maleteiro. “É um início que não recebeu foco suficiente nos últimos anos”, diz Demna. Em seguida, surge L’Incazzata (“muito brava”), acenando para sua ironia: Mariacarla Boscono veste casaco vermelho feminino 60s com fechos GG dourados, bolsa de bambu revisitada, luvas pretas, horsebit pumps, lenço Flora e óculos escuros.
O vermelho tem significado pessoal para o designer, cor da web da marca e da paixão, e remete a um casaco infantil que marcou sua descoberta da moda. Ao abrir o livro com esse tom, Demna insere simbolismo íntimo na narrativa, colocando emoção na base da estética.
Entre minimalismo e excesso: a “sprezzatura” como fio condutor
Sem conhecer a palavra “sprezzatura” antes, Demna acabou introduzindo a coleção com essa despreocupação estudada. O repertório oscila entre o minimal e o maximal: um vestido longo acolchoado Flora com gola alta e zíper frontal surge em versão escura para La Contessa, enquanto La Sciura veste um casaco de shearling azul singular com mangas “perna de carneiro”.
Há ecos setentistas e referências cinematográficas: Mrs. La Principessa aparece de pussy-bow gown rosa chiclete com plumas (um aceno a Alessandro Michele), e La Diva veste pelúcia elétrica inspirada em Sophia Loren. Em contraste, Miss Aperitivo usa um tubinho curto bordado; La Ragazza combina gola alta preta e minissaia de crocodilo; La Gallerista surge em tailleur justo preto. No masculino, calças amplas, denim preto com horsebit, a jaqueta biker The Figo e sobretudo Prince of Wales oversize para o Cocco di Mamma.
Monograma, leveza e “see now, buy now” seletivo
O GG reaparece em blusa de twill de seda com saia A em canvas, e em trench laminado para La V.I.C.. A leveza é palavra-chave: tiras de shearling aplicadas em mousseline bordada e plumas pontuam peças de noite, como o vestido dourado bordado de costas abertas usado por La Mecenate.
Para capitalizar o interesse imediato, as peças chegam um dia após a estreia do filme a 10 lojas por duas semanas: Los Angeles, Nova York, Londres, Milão, Paris, Pequim, Xangai, Singapura, Seul e Tóquio. Demna resume com humor: o lookbook é a entrada, o filme é a sobremesa, o banquete completo virá no desfile de fevereiro.
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Visão, arquivo de Florença e a liberdade rara dos “códigos”
Demna relatou sua imersão no arquivo de Florença: uma “revelação”. Descobrir o brasão, a trajetória de Guccio e a variedade de códigos de couro deu a ele um “Disneyland para diretor artístico”. Diferente de casas com sombras inescapáveis do fundador, a Gucci oferece muitos códigos e, ao mesmo tempo, um quadro relativamente em branco para o prêt-à-porter.
Ele pretende experimentar o minimalismo à sua maneira, inspirado no período Tom Ford, sem repetir fórmulas do passado. Entre elogios a Milão e ao time Gucci, encerra com franqueza: só aceitou a jornada porque já tinha uma visão clara. “Estresse vem quando você não sabe o que quer fazer.”
The Tiger: o objetivo por trás do fashion film
Com direção de Spike Jonze e Halina Reijn, o curta-metragem The Tiger apresenta a coleção de estreia de Demna para a Gucci em um formato cinematográfico inédito. Estrelado por Demi Moore, o filme dá vida aos arquétipos de La Famiglia, cada um representando uma faceta do universo Gucci: da sofisticação clássica à irreverência contemporânea.
Mais do que substituir o desfile tradicional, a proposta audiovisual busca ressignificar o conceito de “Gucciness” para uma nova era, unindo moda, narrativa e emoção em uma experiência coletiva. O objetivo é aproximar o público global da visão criativa de Demna, destacando a força simbólica da família como metáfora de pertencimento e identidade dentro da maison.
Confira uma prévia do fashion film que será exibido hoje, 23 de setembro, em um evento de première em Milão:
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